segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

“A moda é hoje um fenômeno urbano”


Com cabeça aberta para as novidades e os avanços do mundo moderno, Carlos Miele, designer de 43 anos, que é o grande mentor da marcas M.Officer e Miele, sabe como aproveitar a boa onda da fama internacional, ao mesmo tempo em que não se deslumbra e mantém viva sua essência brasileira. Na entrevista a seguir, Miele, que alia moda a outras expressões de arte, fala sobre porque escolheu Salvador para abrir uma nova loja e os desafios de conquistar os pólos internacionais da moda.

Por que escolheu Salvador para abrir uma loja ao mesmo tempo em que inaugurou uma unidade também em Paris, recentemente?
Carlos Miele -
A Bahia é a região com maior influência cultural do Brasil, e que preserva nossas raízes com a menor influência da globalização. Ela é como um grande caldeirão que agregou diversos elementos, resultando e influenciando em boa parte na cultura popular brasileira, como a música, o artesanato e a mestiçagem do nosso povo. Além disso, Salvador sempre recebeu muito bem o meu trabalho e eu escolhi a cidade para abrir minha nova loja porque as mulheres são sensuais, alegres e perfeitas para essa nova marca. Outra razão é a atmosfera da cidade que é leve e sofisticada, e ao mesmo tempo descontraída, o que atrai o tipo de mulher para a qual a coleção Miele é criada.
Tem acompanhado o mercado de moda na Bahia?
CM -
Infelizmente não. Sempre estou viajando e trabalhando muito e não consigo ter tempo para acompanhar o mercado da moda em nenhuma cidade ou país.
Como é para um brasileiro conquistar pólos de moda internacionais e ver seu trabalho com tanto reconhecimento lá fora?
CM -
Não é fácil para um designer do terceiro mundo competir com as grandes corporações do primeiro mundo. Procuro exportar conceitos ao invés de importar, isto é, ir contra o fluxo de globalização. Os resultados positivos que venho obtendo com o meu trabalho são fundamentados no diálogo que faço com a cultura brasileira. Essa rica cultura, que está em contínua transformação, está longe de ser folclore. Corporeidade, miscigenação, transformação são palavras que ainda não a definem, mas se aproximam da significação dessa cultura, que são transportadas e reconstruídas a novas audiências, de uma maneira não estereotipada.
Quais são os desafios mais enfrentados também por conta dessas conquistas?
CM -
O maior desafio foi conseguir ser reconhecido como um designer que cria vestidos de noite, o item mais conceituado da moda. Se você consegue se posicionar no mercado dessa maneira, pode diversificar mais facilmente suas criações desenvolvendo acessórios, perfumes, óculos, etc. Outro grande desafio é o de produzir peças de design no Brasil que estejam dentro do padrão de qualidade exigido internacionalmente. Apesar do nosso país não possuir tradição na produção e exportação de produtos no mercado de luxo, se continuarmos investindo na melhor estruturação da nossa produção e no aprimoramento dos produtos, nossa indústria será ainda melhor posicionada internacionalmente e continuará gerando cada vez mais empregos. Atingindo esse ponto, poderemos nos tornar um grande exportador de produtos de design, assim como diversos países na Europa, obtendo resultados ainda mais positivos para o nosso país.
Seu trabalho vai além do vestuário. Você alia a moda a outras expressões de arte e também à tecnologia. Esse é o caminho para mostrar às pessoas que moda não é algo fútil como muitos acham?
CM -
Quando crio, o que mais me interessa é criar um diálogo focado nos paradoxos existentes entre as elites e os excluídos, o contemporâneo e a tradição, a tecnologia e o arcaico, o real e o virtual. As barreiras da vida são imaginárias; nada é compartimentado ou segregado. É natural que as diferentes linguagens, como a moda, a arquitetura ou a música se entrelacem, porque a arte pode acontecer em qualquer lugar. Acho que a idéia da moda ser fútil vem de pessoas que não a conhecem verdadeiramente. Além do caráter estético, mais usual, a moda é hoje um fenômeno urbano e uma importante forma de expressão contemporânea, que democratizou a maneira das pessoas se vestirem. Atualmente, ela está imensamente inserida na vida das pessoas. É impossível imaginar qualquer forma de expressão, como o cinema, a música e as artes visuais sem a interação com a moda. No aspecto econômico, a indústria têxtil é uma das principais fontes de geração de empregos do país, a segunda que mais emprega mão-de-obra feminina no mercado de trabalho e possui um importante papel social.
Através da moda, é possível realizar importantes iniciativas de caráter social como criar parcerias com cooperativas, resgatando e valorizando as tradicionais técnicas artesanais do nosso país, mantendo-as vivas. O que antes era usado apenas em cortinas, tapetes, capas para sofás e colchas de cama, e ficava escondido dentro das casas das pessoas, pôde ser levado para as passarelas e importantes lojas internacionais e também tive a oportunidade de gerar trabalho contínuo para artesãs que estavam desempregadas. As comunidades carentes do nosso país são importantes repositoras da nossa rica cultura popular local. É um trabalho lindo que transforma a vida dos moradores de uma maneira muito positiva.

Outro exemplo foi a possibilidade de trazer um modelo deficiente físico para a moda, reintegrando-o ao mercado de trabalho. Quando trabalhei com o Ranimiro Lotufo (que se tornou deficiente físico após sofrer um acidente de paraglide e perder uma perna) em desfiles e campanhas publicitárias, isso foi um choque no Brasil, porém foi importante para outros deficientes, trabalhando a auto-estima das pessoas e incentivando-as a não desistirem dos seus objetivos, seus desafios, superando-os diariamente. Ranimiro é muito ativo e continuou assim após o acidente, praticando esportes e levando uma vida normal.
Esse trabalho também foi reconhecido por associações que dão apoio a deficientes físicos, como a AACD, que cuida de crianças deficientes, e me enviou uma carta dizendo que esse trabalho foi muito importante para motivar os deficientes. Alguns meses depois, o Alexander McQueen levou uma modelo deficiente física para a passarela em Londres em um trabalho maravilhoso que alcançou uma grande repercussão internacional.
Fale um pouco sobre a relação que faz na nova coleção sobre o encontro de Sinatra, Tom, os fuxicos, o crochê e as rendas...
CM
- A minha fascinação pela sensualidade da pulsação da música brasileira se traduz na leveza e no movimento da figura feminina, em meus vestidos. Um dos momentos que mais me encantaram foi o encontro histórico entre Frank Sinatra e o músico brasileiro Tom Jobim, em 1960. A relação entre Sinatra e Jobim influenciou o resto do mundo cosmopolita, imortalizando canções como Garota de Ipanema. O refinamento da bossa nova e seus elementos como a sua mistura musical, sua sensualidade e seu cosmopolitismo foram a força para que ela atingisse um nível de sofisticação que foi compreendida pelo mundo inteiro, como o jazz e o blues. Como esse cosmopolitismo, quero levar as belas técnicas artesanais, como o fuxico, o crochê e as rendas, ao mesmo nível da alta costura.
As críticas falam sobre o equilíbrio que você promove entre as experiências internacionais e as suas raízes. Como você lida com esses conceitos?
CM -
O Brasil é o fundamento do meu trabalho. Tenho minhas raízes na rica cultura popular brasileira e também procuro agregar ao meu trabalho experiências que obtive durante viagens e minha vivência internacional. Acredito que se as pessoas percebem esse aspecto nas minhas coleções, é porque compreendem meu trabalho e o equilíbrio que proponho nessa combinação de referências.
Você teria uma definição para o que, de fato, é a moda?
CM -
A moda é a criação mais próxima do corpo; é pele, e é nossa ligação com o universo. A moda é resultado da nossa inteligência traduzida no âmbito do corpo; as tensões, os desejos e transformações do nosso tempo.
Qual a sua maior preocupação como designer ao criar suas coleções?
CM -
Meu processo de criação reflete as misturas que deram origem à cultura brasileira. Tento valorizar a exuberância do país, criando uma moda mestiça e vibrante que realça o corpo feminino, dentro de uma experimentação constante.
Nunca se falou tanto em moda, tendências, fashion weeks, quanto hoje em dia. Na sua opinião, quais foram os maiores avanços do setor nos últimos anos?
CM -
Acredito que a questão da responsabilidade social é o avanço mais importante na moda. Além do papel estético, a moda exerce um papel social de extrema importância. Seja utilizando tecidos ecológicos, reciclando materiais ou oportunizando a geração de empregos. Minhas coleções combinam técnicas de alta-costura com detalhes produzidos por cooperativas de artesãs de todo o país. Da renda das artesãs do Nordeste ou crochê produzido no Sul e Sudeste do país à arte plumária das tribos indígenas da Amazônia. As cooperativas são, na verdade, uma via de mão-dupla. Enquanto elas oferecem uma oportunidade de trabalho remunerado para seus participantes e, conseqüentemente, uma renda fixa, sem a necessidade de saírem da comunidade, as cooperativas também são uma maneira real de manter as técnicas artesanais brasileiras vivas, preservando nossa cultura.
Desse modo, procuro apoiar o desenvolvimento social dessas comunidades, gerando empregos contínuos, contribuindo para o aumento da auto-estima dos artesãos। E tenho muito orgulho em ver cooperativas com que mantenho parcerias, como a Coopa-Roca, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, progredindo independentemente, mantendo outras parcerias e desenvolvendo suas próprias coleções para ajudar ainda mais mulheres da comunidade a também terem uma oportunidade.
NA FOTO: Carlos Miele em desfile em Nova Iorque। Crédito: Fernanda Calfat.

8 comentários:

Anônimo disse...

Marcinha seu blog está muiiito legal...super atual e completo!!Pode deixar que vou acessar sempre!!

Bjocas Thaiana Sampaio

Anônimo disse...

Oi Marcinha !! Tô acompanhando seu blog diariamente tô amando. Muitas novidades de moda,adorei o resumo do São Paulo fashion week. Bju!!! Jacquelinne da unifacs(estudante de moda). Até mais.

Anônimo disse...

Olá Márcia,

Tudo bem?

Acabei de acessar o seu blog..ficou ótimo.

Está muito bem amarrado e ótimo para quem quer saber sobre as tendências e novidades.

Já recomendei a todas aqui na Moda.

Bjs

Fabíola

Anônimo disse...

TÕ gostando de ver. Beijos, Doris

Anônimo disse...

Parabéns, a entrevista com Miele está maravilhosa e o blog está incrível!!!!bjs, goreth.

Anônimo disse...

adorei! bjs
dá uma olhada no site www.kekatanamoda.com e no www.rodadamoda.com.br ( tenho um blog e cuido do conteúdo ) beijos!! Helen Pomposelli

Unknown disse...

Gostaria de saber se posso publicar alguns de seus textos no Portal de moda Do shopping Mega polo Moda, citando a fonte, claro.
De uma olhada e se estiver de acordo entre em contato.
http://www.megapolomoda.com.br
Abraços e boa sorte

Márcia Ferreira Luz disse...

Oi Daniele, tudo bem. Sim, fique à vontade para publicar os textos. Também coloco aqui um link do portal, ok? Um beijo.